O mercúrio de Van Sweetens
Caro Zerrel,
- Depois de uma canja de galinha parda ao jantar, fui aquecer os pés na salamandra da Casa Lilás que o meu amigo me recomendou na véspera de Natal. Fui muito bem recebido pela matroníssima Madame Bataille que parecia já saber quem eu era. Aposto a minha cadeira de baloiço que o meu amigo falou-lhe a meu respeito. Madame Bataille teve um ataque de tosse ao subir as escadas e à entrada do quarto que me estava reservado pôs-se a falar de um novo bronco-dilatador que o Auch lhe recomendou. Vi-me obrigado a gerar ali algo parecido com empatia na esperança que ela me desse um desconto ou um copo de Genebra no fim. A menina que me calhou tinha um ar inocente, os olhos não tinham vestígios de emoção e falava pouco. Antes de começarmos, pedi-lhe gentilmente para pôr na boca o meu termómetro. O mercúrio chegou aos 41ºC! Não podia dormir com alguém tão libidinoso. Acima dos 38,5ºC é a minha morte. Deitei-me a seu lado e deixei escoar o tempo. Ela disse-me o seu nome, Sophie Minuit. Disse-me que antes de trabalhar ali, tinha sido auxiliar de biblioteca, mas ganhava muito mal. Começou então a libertar-se e a falar mais. O seu livro favorito é a "História de um Coração" e abraçava repetidamente o ar à sua volta. Meu amigo, quase que me apaixonei. Felizmente, os quarenta minutos acabaram e sai daquela alcova mesmo a tempo.
Sinto que o meu termómetro vai ser um tremendo sucesso.
Do sempre seu,
T. Edison
Pedro A. M. Amaral
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